quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Livro Caderno de Notações-a poética do movimento no espaço de fora





O livro Caderno de Notações-a poética do movimento no espaço de fora, está a venda em algumas livrarias de Belo Horizonte, como Scriptum, Quixote, Café com letras e diretamente comigo. Aos interessados em adquiri-lo, podem entrar em contato via blog, ou facebook.

Segue um comentário sobre seu conteúdo de Maria de Jesus Fortuna Lima, publicado em seu blog em maio de 2012 (carinhosamente errado na grafia do meu nome):



Dududi
Maria J Fortuna

“vou descobrindo espaços
Danço apenas com pedaços”

Ela era todo encanto com seus passos de cisne, a maneira pausada de falar com o olhar, antes mesmo que a boca solfejasse os primeiros sinais de que iria se pronunciar. Sua linguagem sempre foi a do corpo inteiro. Desde que era menina, pelo que fiquei sabendo. Cabelos sempre em desalinho, esvoaçando na dança com suas malhas coloridas, alongava as pernas, deslocando-se com lentidão e graça, quando caminhava, e trazia sempre um sorriso maroto intercalado de uma expressão de atenção e surpresa, quando alguém lhe segredava alguma coisa. Aquela menina de 19 anos era minha mestra de movimento na Academia de dança Marilene Martins, na década de setenta. Apesar de bem mais velha, eu reverenciava sua forma de conduzir e demonstrar os exercícios. A aula era enfeitada por aquela nuança juvenil de quem não se interessava muito pelas caras feias que a vida prometia fora da grande sala de dança do Colégio Arnaldo. Como borboleta recém-saída do casulo ao bem prazer das correntes de ar, Dududi levava a vida de adolescente, transformando o mesmo movimento a ser traçado em cada aula, como que renascendo com consciência, na fonte, expandindo-se por este mundo prisioneiro das horas. Com isso não dava para sentir-me cativa de uma coreografia. Era ponto positivo diante das minhas dificuldades com a memória de movimento e a defasagem no tempo, quando eu tentava, com enorme esforço, compensar os anos em que não tinha o privilegio de moldar meu corpo para a dança. Mas havia alguma coisa que me dizia transcendência em todo aquele aprendizado com aquela menina. Alguma coisa que tinha a ver com a expressão precocemente reflexiva que transmitia. E fui ficando... Meu espírito acompanhava tudo aquilo como contínua descoberta. Recordo-me do ar complacente da jovem mestra, ajeitando-me a postura sempre com enorme boa vontade.
Assim, em dado momento, ventre crescido para o nascimento do primeiro filho, Dududi marcava no tambor o ritmo dos gestos que, apesar da mesma coreografia, nunca se repetiam para os que sentiam a dança como aquele eterno renascimento em gestos nunca iguais. Depois vinham os festivais que enchiam os palcos de poesia, quando os corpos trazem dentro de si a semente do amor à dança.
Passados mais de trinta anos tivemos, finalmente, um reencontro. Eu observava as árvores frondosas do pátio de uma escola de artes daqui do Rio, quando ela surgiu com seu passo de cisne. A mesma linguagem corporal, o mesmo amor destilando-se em pausados movimentos, naquela expressão reflexiva que tanto me intrigava. Lá vinha ela, trazendo um livro colorido de azul, verde, rosa, cinza e outras cores. Descobri encantada, que de tanto dançar em sons e cores tornou-se poetisa. Percorrendo as praças da cidade de Belo Horizonte a Paris, debulhou a alma em versos vendo, sentindo e comungando com os espaços públicos, frequentados por pássaros, crianças e mendigos. O livro brotou com o nome Caderno de anotações – A poética do movimento no espaço de fora. Fruto de sua observação interna e externa ao conviver com aqueles recantos. Nele, entre outras belezas, está escrito:

Dou tempo ao tempo, esperar é quase uma urgência
A coragem está ainda no osso, espero chegar à superfície
Enquanto isso afino os sentidos

De uns tempos pra cá, tenho lido, diariamente, algum dos seus poemas em prosa e me surpreendo e me encanto com sua espontânea forma de lançar as palavras, com um fluxo de movimento tal qual num bailado de existência leve e profunda.

Para conectar a dança do espaço de fora
É preciso um tempo de farejamento do meu corpo em movimento

E evocando a grande Mestra Martha Graham:

Aprendi a queda do coração de Martha Graham e ela só fazia do lado esquerdo
Minhas vísceras prestaram atenção
De um pequeno movimento a outros grandes movimentos.
Comecei a fazer conexões com o mundo fora do espaço da dança
Para que serve dançar?

E ao observar os transeuntes na praça:

Passou alguém vestido de bicicleta
Seu corpo regia os objetos
Ele habitava as coisas

Desejo, Dududi, que você continue Andarilha, surpreendendo a todos com sua arte e beleza de ser o que é. Fiquei feliz com esse reencontro, não só pelo fato de ter abraçado uma velha amiga e professora de dança, mas de reconhecê-la filósofa e poetisa, e dar graças a Deus pela fatia do meu passado em que tive o privilégio de conhecê-la e encantar-me com você.


Dudude, Maria de Lourdes Hermann é artista de dança, bailarina, improvisadora, performer, diretora de espetáculos, professora. Atua no campo das artes da cena e seus desdobramentos. Desenvolve seu trabalho artístico com foco na arte contemporânea e em questões arte/vida. Natural de Muriaé(MG), vive e trabalha em Belo Horizonte e Casa Branca (Brumadinho), Brasil.

"A Projetista" em curta temporada, no Galpão Cine Horto (27 e 28 de Outubro)

De volta a Belo Horizonte "A Projetista" em curta temporada no Galpão Cine Horto, dias 27, sábado às 21 horas, e 28, domingo, às 19 horas.



Sobre o espetáculo, leia a resenha de Luiz Carlos Garrocho, publicada em seu blog, em março de 2012:

"A Projetista: uma política do desejo

Quando é que um corpo-artista realiza um encontro com a técnica, de tal modo que esta deixa de ser uma defesa diante da vida e de seu estado precário? E em que a polaridade “corpo” e “artista” desaparece ou não faz mais sentido?  Não porque tudo aquilo que nos ameaça, tendo por resposta um arcabouço qualquer, se dê necessariamente por vencido. Mas sim porque tais coisas passam a fazer parte do assombro de viver como jogo e signo. A Projetista, de Dudude, coreógrafa, bailarina, performadora e atriz, traduz isso.
Porém, não é  fácil dispor de si como signo, ao modo do abandono de si.  Pode até acontecer de repente, mas leva muito tempo. Tempo que também se perde, já que a vida escoa e os projetos não se transformam por si mesmos em encontros. Para lembrar Proust, citado por Dudude no espetáculo, diria com Deleuze que é preciso também perder tempo: 
”Nunca se sabe como uma pessoa aprende; mas, de qualquer forma que aprenda, é sempre por intermédio de signos, perdendo tempo, e não pela assimilação de conteúdos objetivos”.
Talvez, seja essa uma das chaves de leitura de A Projetista. De um lado, o tempo perdido na elaboração de um amanhã como alvo. Que é a negação do presente vivido. E o tempo que se perde no embrenhar-se da vida aos acasos. A necessidade, portanto, de ir em busca do tempo perdido.
Dudude faz da elaboração desse amanhã capturado pela burocracia, assim como desse perder-se necessário na vida, um experimento criativo. Coloca, no próprio espetáculo, o desejo de dançar uma pergunta, ou de prolongar uma fresta lançada, muitas vezes, pela própria estupidez do ato projetista. Que se transforma assim em gesto, palavra, imagem. Então, amanhã é agora.
Nossos hábitos podem nos fazer acreditar que A Projetista é um misto de teatro, de dança, depoimento pessoal, crítica e denúncia. Porém, isso não tem a menor importância, pois, como em outros processos criativos, não podemos continuar a pensar por meios que não sejam o de uma arte no campo expandido.
A Projetista é um espetáculo, mas é também uma performance.  No sentido de uma poética que chama a si as forças. Que forças são essas? Aquelas que sustentam um corpo no ato de convidar outros corpos a compartilhar essa mútua presença. Nesse sentido, não é a representação de uma “situação” ficcional a linha de condução. O que conduz o jogo performativo é o embate. Uma estratégia de conhecimento no ato mesmo da encenação.
Portanto, o que vemos não é a história ou a fábula de uma personagem, de uma “projetista”. Sim, há também esse plano ou camada de composição e leitura. Porém, ele não se configura a ponto de ser uma matriz do evento. Constitui uma esfera de problemas, de cartas ou de dados lançados. Que pedem respostas, enfrentamentos. São elementos de enunciação, ao lado de outros, como os momentos em que Dudude dança. Ou aqueles em que ela se permite emocionar com o que diz.  É nesse campo que as coisas se resolvem – no ato de dançar como necessidade e desejo.
Há linhas e planos. Como a denúncia desta época em que, como Dudude diz, será lembrada uma dia como a “era dos projetos”.  As pessoas “ficavam lançando projetos para o futuro”. Sim, Dudude aponta para o impasse das políticas públicas, contudo, sem colocar-se no lugar do queixume, com é tão comum. E num momento muito forte ela diz algo assim: por que eu devo detalhar aquilo que eu não sei o que será, como é toda criação?
Nem por isso precisamos nos tornar tristes por causa da política. Pelo contrário, Dudude faz do evento cênico o acontecimento de uma política do desejo. Não pela reivindicação de uma particularidade (o “eu” da artista) ou de uma generalidade (“os artistas”, “o humano”). Mas sim no acolhimento dessa experiência do fora, de que fala Blanchot. E da alteridade de nossa situação no mundo.
Porém, a despeito de denunciar a burocracia  das leis de incentivo e os agenciamentos que elas produzem (como o ficar à espera de uma condição externa favorável, ou de vincular o desejo ao “projeto” e, por tabela, ao Estado), A Projetista expõe os caminhos de nossas fragilidades e apostas.
Uma das sequências mais belas é a que Dudude dança, já no final do espetáculo. Uma dança da ordem da intensidade, na qual se dá um entrega e em que um corpo somente se identifica com sua própria variação. Por sua capacidade de sofrer as consequências de suas próprias ações.
Uma bela composição. O tempo reencontrado no desejo.
Referências -
- A Projetista: Concepção/intérprete: Dudude. Direção: Cristiane Paoli Quito. Assistência de direção: Lydia Del Picchia. Figurino: Marco Paulo Rolla. Trilha sonora: natalia Mallo e Danilo Penteado. Desenho de luz: Bruno Cerezoli. Vídeos: Joacélio Batista & Frederico Herrmann. Produção: Ludmila Ramalho.
DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. Tradução de Antonio Piquet e Roberto Machado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.